O filme começa de uma forma muito calma, com um tom monótono e sem grande interesse (obviamente que isto é propositado para que se sinta a diferença com o que virá a seguir); no início da película acompanhamos a jornalista Ângela (Manuela Velasco) numa visita guiada a um departamento dos Bombeiros de Barcelona. Ângela é uma jornalista de um programa noturno com pouca audiência que tem como missão fazer uma reportagem sobre a vida diária dos bombeiros. Assim, numa das entrevistas com um dos bombeiros, ficamos sabendo que 70% das chamadas que fazem aos bombeiros não têm nada a ver com fogos, sendo que eles têm que se deparar com os mais variados problemas. Nesse momento Ângela diz que gostaria então que naquela noite acontecesse “algo de diferente” para benefício da sua reportagem. Tanto ela como o bombeiro começam a rir, sem saber que a prece de Ângela seria atendida da forma mais macabra e horrível possível. O pedido de socorro chega, os bombeiros e a equipe de reportagem correm para um prédio antigo onde aparentemente uma senhora idosa está causando distúrbios e, de um momento para o outro, todos se vêem numa situação complicada: um policial e um bombeiro são selvagemente atacados pela velha e quando tentam sair do prédio para procurar ajuda médica, vêem que não podem sair, pois a polícia fechou todas as saídas sob o pretexto de um eventual risco de epidemia... Começa assim uma viagem infernal para as personagens do filme e para os espectadores confortavelmente sentados em suas salas.
As minhas expectativas para este filme eram grandes. Mas confesso que não estava à espera que o filme fosse tão bom. REC está filmado como se estivéssemos mesmo vendo uma reportagem televisiva ao vivo. Assim sendo, a câmara leva encontrões, sofre problemas com o som e está sempre em movimento. Para alguns espectadores (para aqueles que detestaram A Bruxa de Blair ou Cloverfield) esta estrutura que o filme apresenta pode tornar-se confusa e as pessoas podem sentir-se desorientadas em alguns trechos do filme em que não sabemos exatamente o que se está passando à nossa volta. Porém, é exatamente esta estrutura de “reportagem televisiva” que confere um realismo assombroso à película e nos faz sentir como se estivéssemos também encurralados naquele prédio maldito. A realização e as interpretações (absolutamente credíveis) dos atores fazem-nos sentir como se aquilo estivesse de fato acontecendo e estejamos vendo algo na televisão que não era previsto vermos. O terror é imenso, os sustos são recorrentes e a realização raramente nos deixa antever o que vai acontecer a seguir. Assim sendo, REC eleva a tensão a níveis quase insuportáveis.
Desde O Exorcista que não via um filme que captasse tão bem a essência do terror; a essência do que o filme de terror verdadeiramente é. Já devem ter percebido (por esta e outras críticas) que este gênero cinematográfico é um dos que eu mais aprecio. E por isso custa-me ver a decadência em que este gênero se encontra na atualidade. Felizmente, de vez em quando surgem verdadeiros filme de terror que me fazem sentir como uma criança assustada na escuridão do cinema. REC provoca em nós a mesma sensação arrepiante com que saímos de um trem fantasma quando éramos crianças. O filme assusta mesmo, utilizando todas as técnicas ideais num filme de terror: temos o suspense de não saber o que vem a seguir, temos a escuridão total e os jogos de luz e som (o som é simplesmente arrepiante neste filme), temos os ângulos de câmara perfeitamente executados, enfim, temos tudo. REC é um filme de terror perfeito! É também, a prova absoluta de que o cinema espanhol está em crescimento e seria bom que os diretores e produtores americanos estudassem bem estes filmes antes de se aventurarem na produção de mais um filme de terror americano medíocre.
Há muito tempo que não via um filme de terror assim. Há muito tempo que não me sentia tão tentado a fechar os olhos para não enxergar o que está para acontecer. Há muito tempo que não via pessoas saltarem do sofá e a queixar-se do terror quase insuportável do filme. Há muito tempo que não via uma reação tão positiva e genuína do público no final de um filme de terror. Dito tudo isto, que mais há a dizer? Nada, a não ser afirmar que REC é um dos melhores filmes do ano de 2007 e um dos melhores filmes de terror de todos os tempos!
Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Timberlake, Armie Hammer, Max Minghella, Josh Pence
Como transformar a história de um nerd, cheia de termos técnicos de informática, em um filme interessante? O primeiro passo é convocar um ótimo roteirista que adota uma estratégia que parece, como o protagonista, pouco popular: um texto rápido, com muitas linhas por minuto. Depois, adicione uma ótima trilha sonora, uma direção de fotografia precisa, bons atores e um diretor para dar a unidade perfeita para tudo isso – e que ainda apresente, aqui e ali, minutos inspirados e de pura sugestão de sentidos. A Rede Social transforma a história dos bastidores da criação do Facebook, a mais importante e badalada rede social do mundo, em um filme interessante que brinca com velhos estereótipos dos nerds recriando estes elementos. Quase perfeito por conseguir um ótimo resultado mesmo com muitos elementos que nadam contra a corrente dos filmes produzidos para as grandes audiências, A Rede Social falha apenas ao simplificar algumas partes da história – tornando, no final, a vida do jovem bilionário Mark Zuckerberg pouco mais que uma obsessão por computadores e uma garota em especial.
Verborrágico. Esta é a primeira característica evidente de A Rede Social. É preciso ter atenção e conhecer um bocado dos termos/jargões da internet e/ou tecnológicos para acompanhar o roteiro de Aaron Sorkin. O filme é adaptado do livro de Ben Mezrich intitulado The Accidental Billionaires.
Sorkin foi ousado. Não abriu mão de ser fiel aos “personagens” (reais, diga-se) e ao seu modo de falar e agir. Com isso, ganhou pontos na minha análise. Mas, seguramente, perderá pontos entre o grande público. Especialmente porque não é todo mundo que conhece os termos “técnicos” usados na história. Essa ousadia, juntamente com o texto farto e veloz, diferenciam A Rede Social de um filme “puramente” comercial. Se ele quisesse ser realmente popular, simplificaria muito mais o texto. Em outras palavras, parabéns ao roteirista por sua preocupação em ser fiel a uma versão da história – sim, porque mesmo o livro de Mezrich é considerado apenas uma “parte” de vários lances que compõe os bastidores que envolveram a criação do Facebook.
O roteiro de A Rede Social é, sem dúvida, um de seus pontos fortes. Juntamente com a trilha sonora e a direção. Diria que este triângulo é decisivo por tornar o filme interessante, denso em conteúdo e leituras. O trabalho de Sorkin merece elogios não apenas por sua preocupação em tentar ser fiel aos personagens e ao que teria acontecido com eles. Mas também porque ele faz mágica com a história. Equilibra de forma exata momentos “cerebrais” com sequências que lembram os clássicos de festas em universidades estadunidenses vistas em tantos filmes “juvenis”, como Porky's e Cia.
As festas regadas a bebidas, homens tentando se dar bem com as meninas, os caras que ficavam à margem de tudo isso… tudo está lá. Claro que em uma versão “repaginada”. Afinal, não estamos vendo uma história ambientada nos anos 1980, mas um enredo dos anos 2000, no qual gênios da informática poderiam se tornar celebridades mesmo tendo dificuldade em se relacionar pessoalmente. Esta, aliás, é uma das principais mensagens do filme… de como a informática ajudou a pessoas antes “marginalizadas” por falta de dotes físicos a conseguir uma certa evidência por apresentarem outros predicados.
O diretor David Fincher aproveita todas as “brechas” do roteiro para dar ritmo a esta história. E consegue. Acompanha a história de Mark Zuckerberg do outono de 2003 em diante. Entre um momento e outro de verborragia do personagem – seja em diálogos com alguns interlocutores ou através de elucubrações de seus próprios pensamentos “compartilhada” conosco, espectadores -, Fincher destila cenas que mostram o contraste entre os diferentes tipos de pessoas que compõe o compus de Harvard. E, mais tarde, o ambiente de desenvolvedores de produtos tecnológicos.
O roteiro e a direção bem feitos acabam tornando uma história cheia de termos técnicos e fidelidade a personagens “não muito interessantes” em algo bastante atrativo – pelo menos para quem se interessa por estes “bastidores” do mundo tecnológico. A história do surgimento do Facebook acaba sendo apresentada como uma disputa pela inovação que terminou nos tribunais. Parcerias e amizades foram alteradas com a velocidade de uma banda larga quando a proximidade com a fama e a oportunidade de tornar o experimento global foram se consolidando.
Só fico em dúvida sobre o interesse deste roteiro para os “não iniciados” com a tecnologia. Ou entre as pessoas que não se interessam tanto assim pelo mundo “dos nerds”. Acho que o grande público, os “não familiarizados”, podem ficar boiando boa parte do tempo. Daí o roteiro de Sorkin introduz outros elementos, como bebidas, flertes, disputas em tribunais e bastidores de Harvard para tentar agradar um pouco mais este público não muito familiarizado com a tecnologia. Talvez funcione, mas não acho que o filme se tornará tão popular quanto outras produções menos “técnicas”.
Algo fundamental, neste filme, é a trilha sonora. Um trabalho incrível, preciso, ponderado e provocante de Trent Reznor e Atticus Ross. Sem a trilha desta dupla, A Rede Social perderia, pelo menos, 25% do ritmo e da graça. Vale destacar ainda a direção de fotografia de Jeff Cronenweth. Ele ajuda a colocar em prática as idéias de Fincher. As cenas noturnas e diurnas, como as que mostram festas e competição de canoagem, respectivamente, ganham plasticidade por esta parceria.
Sem dúvida o filme tem mais acertos do que erros. A aposta em intercalar o tradicional “suspense de tribunais” com uma narração do que é debatido entre os interessados nos processos, promove as quebras salutares na produção. A preocupação em reproduzir o jeito de falar do protagonista e de seus amigos, assim como em mostrar o contraponto entre os diferentes “jeitos de ser” das tribos de Harvard e das outras universidades também dá o “caldo” necessário para a história. Mas nem tudo são flores.
Na sua preocupação em ser, ao mesmo tempo, “fiel” à realidade vivida pelos “personagens reais” e fazer-se interessante para um público maior do que o de “iniciados” naquele entorno de alta tecnologia, A Rede Social acaba simplificando alguns aspectos da realidade. Torna muito evidente a fronteira de Zuckerberg como a de um sujeito isolado, quase um “loser” entre os bem-sucedidos da universidade. Segue uma trilha bastante perseguida, neste sentido, por outros filmes ambientados no mesmo universo.
Não que Zuckerberg não fosse um nerd. Mas não acredito que ele fosse tão “isolado” quanto este filme e, aparentemente, o livro de Mezrich, sugerem. Com esta idéia, reforça-se o estigma de que os gênios da informática são sujeitos com dificuldade de se relacionar. E mesmo que isso aconteça, não deve ser visto como regra. Acho que é uma simplificação muito grande – e que já ocorreu antes com outros gênios de outras áreas do conhecimento. É fato que pessoas inteligentes demais não conseguem encontrar muito “eco” entre os demais mortais. Mas daí a mostrar-lhes como sujeitos isolados… acho uma simplificação um tanto burra.
De qualquer forma, para mim, esta simplificação até era esperada. Mas algo me surpreendeu – e negativamente. Não gostei do final. Ele dá a entender que tudo que o criador de Facebook fez foi por causa de uma garota. Saída típica, e boba, eu diria. Por que tudo, sempre que possível, tem que se resumir a “um cara que não se conforma por ter perdido uma garota”? Não acho que esta seja a história de Zuckerberg. Posso até concordar que ele quis se tornar um sujeito excepcional. E que, obstinado e realmente com uma inteligência acima da média, batalhou para conseguir isso. E conseguiu. Mas resumir todo o seu trabalho e conquista a uma dor de cotovelo… menos, bem menos!
Ainda que A Rede Social sofra com as simplificações que eu comentei acima, algo positivo este filme tem: ele não toma partido. Tenta contar a história sob as diversas óticas conflitantes e o espectador, em geral, fica livre para tirar as suas próprias conclusões. Ainda assim, como 99% dos filmes de Hollywood, ele meio que “encaminha” o público em uma direção.
E há uma sequência emblemática neste sentido. A partir de uma hora e 20 minutos da produção, Fincher e Sorkin brincam com duas realidades que jogam com um mesmo conceito/objetivo: a superação/fama. Primeiro, vemos os olhos do Zuckerberg de Jesse Eisenberg brilharem com as promessas de sucesso de Sean Parker (o criador do Napster, interpretado por Justin Timberlake). Em seguida, assistimos a uma competição disputadíssima de canoagem. O paralelo é evidente: todos aqueles jovens buscam a superação, ultrapassar os próprios limites, apenas para… conseguir a fama. Ser popular, diferenciar-se dos demais, era o objetivo final. De uns e de outros. Esta reflexão do filme, que reflete de forma tão evidente a nossa era, torna-o especial. Apesar de suas simplificações aqui e acolá. “Fraquezas” menores frente a um trabalho diferenciado.