Direção: John Erick Dowdle
Elenco: Chris Messina, Logan Marshall-Green, Jenny O’Hara, Bojana Novakovic, Bokeem Woodbine, Geoffrey Arend
Juntemos cinco personagens anônimas num claustrofóbico elevador de um imponente arranha-céus. Brindemos essas personagens com a inesperada e demoníaca visita do próprio Diabo das profundezas. Com jeitinho, adicionemos ainda a direção serena de John Erick Dowdle (realizador de Quarentena – o remake de [REC]) e um roteiro com claras influências do visionário M. Night Shyamalan. Agora misturemos bem os ingredientes com uma colher de pau em formato de cruz invertida. Esta bem que podia ser a receita para o bolo da avó mais maléfico de todos os tempos. Mas não. Muito simplesmente, esta é a estrondosa receita para Demônio – um dos mais surpreendentes e inteligentes filmes dos últimos anos.
A narrativa põe-nos na pele de cinco personagens que estão prestes a viver o acontecimento mais aterrador das suas vidas. Sem desconfiarem de nada, um mecânico (Marshall-Green), uma senhora idosa (O’Hara), a esposa do dono do arranha-céus (Novakovic), um guarda desse mesmo edifício (Woodbine) e um vendedor de colchões (Arend) entram no elevador número 6 para rumarem aos seus respectivos afazeres. Todos eles escondem um segredo. Todos eles têm o seu passado manchado por pecados incorrigíveis. E neste dia aparentemente normal, neste estreito elevador de um edifício como tantos outros, o Diabo irá atormentá-los até a exaustão, ceifando-lhes sadicamente a vida como forma de castigo por uma existência imoral e repleta de pecados. Aos poucos, cada um deles começa a perceber que algo de muito errado está acontecendo. Confuso e desesperado, o detetive que acompanha o caso (Messina) sente-se impotente por nada poder fazer para ajudá-los. E, encurralados num cubículo fechado, cada vez mais aterrorizados com o que estão passando, os sobreviventes terão de lutar contra a própria natureza humana para poderem escapar com vida a esta infernal provação.
Demônio é o primeiro título de uma saga que adotou a designação de The Night Chronicles. Como este nome indica, esta será uma saga composta por crônicas saídas da mente fantástica de M. Night Shyamalan, um pouco ao estilo de um bom livro de contos fantasmagóricos. E se as obras que se seguem tiverem tanta qualidade como este Demônio, The Night Chronicles poderá se transformar numa saga digna de respeito. Confesso que terminei de olhar o filme um pouco assombrado com o que tinha acabado de visionar. Digamos que, no mínimo, estava bastante curioso. Mas muito sinceramente, não estava à espera que Demônio surgisse à frente dos meus olhos como uma obra de categoria tão elevada. Tal como referi no início do texto, este é mesmo um dos thrillers mais inteligentes e surpreendente dos últimos tempos. Há muito tempo que não via um thriller do gênero fantástico que não se espatifasse num desavergonhado número de clichês e narrativas terrivelmente previsíveis.
Mas vamos por partes. Pegando exatamente na narrativa (escrita por Brian Nelson, mas saída da mente de Shyamalan), é justo dizer-se que Demônio nunca deixa o espectador adormecer. O ritmo do filme é absolutamente frenético e não existe uma única cena que ali esteja, pura e exclusivamente, para apenas ocupar o tempo. Todas as sequências são importantes; todos os acontecimentos revelam mais um pormenor que adensa o mistério e atiça a curiosidade; e tal coisa apenas abona em favor da qualidade geral da película. De forma sempre equilibrada e sem cair no irrisório, a narrativa de Demônio progride no tempo e o espectador nunca deixa de acreditar nas personagens e na veracidade da terrível situação em que elas se encontram. E isto é algo de uma importância extrema. Algo que pode fazer a diferença entre um bom filme e um filme meramente esforçado.
A direção de John Erick Dowdle é também merecedora de destaque. Um dos grandes desafios de Dowdle era fazer com que o público não saísse da sala com o desejo de que houvesse sido o próprio Shyamalan que tivesse dirigido a película. Além de fazer o espectador sentir toda a tensão e todo o pânico que as personagens estão vivenciando, Dowdle filma também as sequências de intervenção do Diabo com uma maestria de quem idolatra a face mais artística dos filmes de terror. Quando as luzes do elevador começam a piscar, o espectador sabe imediatamente que algo de temível vai acontecer. E quando tudo fica às escuras, o espectador tem o prazer de escutar o medonho trabalho do Diabo em ação, em sequências que têm o dom de evidenciar aquilo que de melhor este gênero cinematográfico tem para oferecer.
De certa forma, Demônio é um conto moral sobre a complexidade da alma humana. O asfixiante elevador número 6 assume contornos de autêntico Purgatório e o Diabo trata de castigar aqueles que se mostram pecaminosos, arrogantes e egocêntricos. Ambos os lados da alma humana – o negro e o iluminado – são postos à prova, naquela que é uma das obras mais interessantes e bem arquitetadas dos últimos anos. Aponto-lhes apenas uma nota de ressalva: a forma como se embebe no clichê dos mexicanos religiosos era perfeitamente desnecessária. Há, atualmente, a mania de arranjar latinos que, através das histórias de seus avós, arranjam sempre uma explicação para o que está passando. Já vimos isto em Arrasta-me Para o Inferno e voltamos a vê-lo neste Demônio. Como se quisessem esconder o fato de que o povo americano é tão ou mais religioso/supersticioso que o latino, esforçando-se para dar a idéia de que os americanos já são evoluídos para acreditarem em contos da carochinha… Mas enfim, ignorando este pequeno pormenor, Demônio não tem muito por onde desiludir. E para delírio dos fãs de Shyamalan, esta é também uma obra que vem comprovar que o realizador de origem indiana continua a ser um magnífico contador de histórias. Doa a quem doer.
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